À espera dos bárbaros
terça-feira, novembro 30, 2004
  Sérgio Sant'Anna.
Como ainda não li nada do senhor, prometo a mim próprio que um dia destes vou zapear um dos seus livros.
A entrevista de Paulo Celso Pereira, que se segue, saíu no Jornal do Brasil de hoje.


Sérgio Sant'anna é a estrela da vez. Com seu último livro, O vôo da madrugada, ele arrematou os três principais prêmios literários do país. Com pouco mais de 3 mil exemplares vendidos desde que foi lançado, em 2003, o livro ganhou o Jabuti e o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte de melhor obra de contos. Na semana passada, recebeu o segundo lugar no Prêmio Portugal Telecom, perdendo no desempate para o livro de poesia Macau, de Paulo Henriques Britto. Com O vôo da madrugada, o escritor carioca de 63 anos, que soma agora quatro Jabutis, não deixa dúvidas a respeito de sua posição entre os maiores contistas do país. Na sala do apartamento onde mora há 26 anos, em Laranjeiras, Sérgio conversou durante mais de uma hora sobre as premiações. Apesar de estar feliz com o reconhecimento, é cauteloso: ''É legal ganhar, mas não é o prêmio que faz o escritor''.

- Como você tem recebido a série de premiações de O vôo da madrugada ?
- Quando lancei o livro, não sabia o que pensar dele, pois ele tem certas diferenças com a minha obra. Apesar de ter alguns contos experimentais, o livro desce muito a problemas fortes e densos da sensibilidade humana. Não sabia como seria recebido. Mais tarde, percebi que estava tocando muito os leitores, e não só a crítica, que, em geral, foi positiva. Só aí vi que o livro tinha alcançado um resultado.

- Você acha que as pessoas supervalorizam os prêmios?
- Prêmio é uma coisa relativa. Não se pode julgar literatura por prêmios. É legal ganhar, ficamos contentes, mas não é o prêmio que faz o escritor. O escritor fica satisfeito, ninguém acha ruim ganhar R$ 30 mil (valor do prêmio Portugal Telecom), mas isso não quer dizer que sempre sejam os melhores os premiados. No caso de O vôo da madrugada, fico satisfeito porque, com três prêmios, é sinal de que muita gente viu que o livro tinha um determinado valor.

- Como avalia o resultado do Portugal Telecom?
- Eu só li o livro do Paulo Henriques depois, e achei-o de alto nível. Agora, vou ser sincero, se eu fosse do júri votaria no Não poemas, do Augusto de Campos, para primeiro lugar. E no meu em segundo (risos). Acho que o Augusto deveria ganhar, não só pelo livro, mas por toda a obra dele, por tudo o que ele representa. Ele sofreu a rejeição ao concretismo. Embora este já seja um livro neoconcretista, com muita subjetividade, é bem interessante.

- Você gosta de ver provocação no texto?
- Não gosto de arte bem comportada. Arte que é arte tem que ser provocativa. Arte tem que mexer com a sua cabeça. Acho saudável a atitude desse pessoal que faz parte dos livros Geração 90. É muito legal escrever um texto que balança as pessoas. Mas não sei se O vôo da madrugada é provocador assim.

- E como o público reage?
- No Brasil, e principalmente no Rio, vivemos na cultura do ''tudo bem''. Tudo é piadinha e crônica de jornal. O vôo da madrugada é um livro que mexe com depressão e morte. Acho isso provocador sim. São coisas que todas as pessoas têm dentro de si, sentem e sabem. Mas, aqui no Brasil, e sobretudo no Rio, parece que há uma filosofia de fingir que essas coisas não existem. Tanto é que se você olhar na lista dos mais vendidos, verá que todo mundo quer ler o cronista engraçado, a piada. Não que não goste de humor, eu gosto, mas prefiro um humor elaborado.

- Há um excesso de livros de alta vendagem e qualidade duvidosa?
- O best-seller vai sempre existir, pois agrada a muita gente. Mas também vai existir um espaço para uma literatura como a minha. Vendo, em média, 5 mil exemplares de cada livro que lanço. O vôo da madrugada levou um ano para esgotar a primeira edição de 3 mil, mas acho isso natural, porque faço literatura mesmo. Para um cara comprar o meu livro tem que gostar de literatura de uma determinada densidade, tem que gostar da linguagem. Não vou esperar que uma pessoa que está procurando só entretenimento vá ler meu livro.

- Qual foi a recepção do mercado?
- Saiu uma edição portuguesa e sairá agora uma espanhola. Para um livro de contos é uma carreira boa. Acho bom vender 3 mil exemplares. O escritor sofre uma concorrência fortíssima, ele disputa com todos os autores, vivos e mortos. Embora esteja havendo esse estardalhaço em torno do conto, o que vende muito são essas antologias, tipo 100 melhores contos de alguma coisa, isso vende que nem banana. Os livros de conto de um só autor não. Esses vendem muito menos do que os romances.

- Ainda se sente influenciado?
- Não me sinto mais influenciado. Pode parecer arrogante mas não é. Li muita gente que se misturou tanto dentro de mim, que, felizmente, acho que encontrei meu estilo próprio, a linguagem é minha. Sai de dentro de mim e se a influência existe, não é mais consciente. O ideal de todo escritor é procurar mesmo o seu espaço, a sua linguagem, sua voz própria. Às vezes, vemos no Brasil pessoas que lançam livros que parecem Rubem Fonseca ou Clarice Lispector. Não acho isso desejável.

- Como desenvolve seu conto?
- O conto, em geral, é muito mais artesanal, busca muito mais a linguagem do que os romances. Em geral, os romancistas são menos pesquisadores de linguagem. Os contistas se aproximam um pouco do poeta. Posso dizer que, no meu caso, a linguagem tem uma densidade poética. É como se eu estivesse compondo internamente uma melodia. Não gosto do termo prosa-poética porque tem muita sub-literatura que fala assim. Meu intuito não é enfeitar. É uma melodia rigorosa, então, em vez de prosa-poética, prefiro a palavra composição. Meus contos são composições.

- Tem publicação em vista?
- Não tenho a menor vontade de botar na rua um livro por ano e cansar as pessoas. Acho perigoso, porque às vezes os livros pouco se diferenciam uns dos outros. É bom o escritor dar um tempo entre um livro e outro. Uma característica minha é que os livros não se pareçam.

- Na Festa Literária Internacional de Paraty, sua declaração a respeito do tamanho excessivo dos romances causou polêmica.
- Falei em Paraty que a maioria dos romances tem pedaços excessivos e deu uma celeuma desgraçada. Falei que estava zapeando livros, porque, de fato, muitas vezes eu abro o romance para ler, chego no meio e penso que já li o que me interessava. Como são muitos livros, às vezes eu paro no meio para pegar um outro. Muitos romances de nomes sagrados são excessivos. É muita coisa para ler, então leio um pedaço de um, um pedaço de outro... É muito parecido com zapear na televisão: você pega um terço de um filme, cinco minutos de outro, e é legal.
 
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